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CRÍTICA: 'Wicked' é um espetáculo de sonhos e devoção artística

  • Julio Cezar
  • 21 de mar. de 2016
  • 3 min de leitura

Por muitos anos foi caracterizado como um sonho impossível - como diria Quixote -, um espetáculo fora da realidade do núcleo brasileiro de Teatro Musical, praticamente mistificado devido a sua amplitude, história e peso cênico. Um sucesso unânime entre os jovens, tanto amantes quanto atores aspirantes ou profissionais, que gastaram os hits eternizados do musical, estes como Defying Gravity” e “The Wizard and I”, a ponto de os tornarem proscritos e indesejados nas salas de audição pela banca técnica, embora enaltecidos e apontados como meta pela complexidade vocal necessária. No entanto, as músicas provam-se poderosas e amadas o suficiente para permanecerem frescas no palco, como que nunca ouvidas, independentemente de quanto tempo o show esteja em cartaz, exemplificando o motivo da palavra “icônico”.


A irrepreensível e premiada cenografia de Eugene Lee, que é um dos destaques mais marcantes do espetáculo pelo detalhamento e ambientação genial, mágica, através do imenso relógio no qual é rodada a história, surpreende pela precisão de como fora costurada no palco do Teatro Renault, que se desestrutura de forma há muito não vista, livrando-se de seu aspecto quadrado, por falta de palavra melhor. Embora tenham sido feitas mínimas adaptações cênicas, como na famosa cena de No Good Deed em que Elphaba emerge do palco num elevador, em nada nota-se a diferença ou deixe algo a desejar, preservando o brilho e primor original. Com remate pontual, a reprodução do cenário conduz o espectador cansado de revirar o YouTube em busca de vídeos sobre o musical até a poltrona melhor localizada da Broadway.


Contudo, não há nada que impressione mais do que o laço de amizade e lição moral das personagens protagonistas Elphaba, a Bruxa Má do Oeste, e Glinda, a Bruxa Boa, encenadas por Myra Ruiz e Fabi Bang, respectivamente.


Myra define toda sua carreira ao pisar no palco na pele verde de Elphaba e se destaca por mostrar ao público uma atuação sólida e tridimensional de uma forma que nunca fizera antes em outro papel, expondo-se para leitura como artista e explorando a profundidade da personagem. É muito dito que os olhos são o canal da alma, e é no olhar emocionante que a personagem machucada cruza com a atriz que realiza um sonho, doando uma performance à altura entre as desafiadoras e notórias notas da partitura.





Fabi desempenha indiscutivelmente bem o papel de fornecer todo o teor cômico que a personagem exige, entretendo e fazendo os espectadores dobrarem-se de rir com suas falas e descontrole, sendo por diversas vezes ovacionada em cena aberta como em seu clássico número solo Popular, o ponto alto de humor no espetáculo. Fabi faz diferente e manifesta as camadas volúveis onde se encontra os pontos fracos e doídos de Glinda por meio de sua irreverência cômica que nunca termina, preferindo permanecer com a máscara do desejo alheio imposta a desmanchar-se sobre os sentimentos. Bang trabalhou tão duramente o seu lado hilário que não poderia ter explorado de outra forma este recanto intrínseco da essência da personagem. Essa ambivalência entre as protagonistas vaza para suas vozes destacada pelos belts marcados e potentes de Myra e o legit controlado, puro, cravado e de ressonância redonda de Fabi.


Num respeito mútuo e fruto de uma direção equilibrada e científica, uma dá espaço para a outra em cena e dividem o mesmo holofote quando estão juntas, sem ofuscações e exageros; afastando-se totalmente dos primeiros problemas de direção encontrados na época em que o show original estava em fase de tryout em São Francisco e deste medo que segue cada montagem do espetáculo pelo mundo.


As protagonistas, por sua vez, são recebidas por um exímio elenco que se desdobra em atuações enriquecedoras e que honra o gênero musical ao levar aos gritos e assovios toda a plateia impressionada com a sua qualidade e material vocal.


E é em algo como O meu sonho se tornando o meu final feliz que Glinda canta na versão brasileira da música Que Dia” (Thank Godness) que é possível encontrar a ironia subentendida que explica o motivo da entrega de maneira tão devocional dos atores em cena. Muito embora a fábula moral e o significado da palavra amizade sejam o fio condutor de toda a trama, aqui no Brasil, ‘Wicked’ é, sobretudo, uma produção de sonhos e realizações para aqueles que estão no palco. E talvez seja isso que torne A História Não Contada das Bruxas de Oz algo tão passional, intenso e verdadeiro do que em qualquer outra reprodução mundial da peça, por aqui simplesmente haver uma história de anseios e metas por detrás da história encenada.

E então, finalmente em solo brasileiro, Elphaba desafia não só a gravidade como todas as expectativas de anos e faz acontecer, e é lindo.

SERVIÇO:

Dias: de quinta e sexta às 21h; aos sábados às 16h e 21h; domingo às 15h e 20h.


Lugar: Teatro Renault - Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 411 (Bela Vista); São Paulo.


Preços: de R$ 50 a R$ 280.


Faixa etária: 12 anos.

 
 
 

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