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CRÍTICA: "Bibi - uma vida em musical" é a salvação do gênero biográfico

  • Julio Cezar
  • 8 de jun. de 2018
  • 6 min de leitura

Tem quem diga que os musicais “Fiorello!” e “The Sound of Music”, que revolucionaram a história do prêmio Tony Awards ao ganharem juntos o título de Melhor Musical de 1960, abriram caminho para que produtores começassem a vislumbrar um futuro com espetáculos baseados em memórias, eventos marcantes ou biografias para atrair mais público e gerar mais história. Com o estouro do clássico “Evita” em 1978, mal sabiam eles que o gênero biográfico, por assim dizer, cairia no desgosto da crítica e do público entre as décadas de 70 e 90, ainda que as tentativas de fazerem acontecer permanecessem.


Aqui no Brasil esse período não foi muito diferente, embora tenha começado bem mais tarde do que na Broadway e por motivos dessemelhantes. A leva que conhecemos de musicais biográficos veio com a estreia de “Tim Maia – Vale Tudo, O Musical” (2011), a partir da necessidade das produtoras de resgatar o teatro musical brasileiro que sumia entre a profusão de montagens importadas que se popularizavam cada vez mais. No entanto, ainda que o gênero tenha alavancado a cena musical, a maioria das produtoras passaram a abusar do molde e lançar aos palcos verdadeiros espetáculos caça-níquéis sobre artistas nacionais, sem cuidado e atenção nenhum, que ofereciam apenas um nível precário de construção, com libretos e cenografia mal construídos, direções disfuncionais, repertório musical sem desenvolvimento, e tantos mais outros erros graves; forçando os atores a tirarem água de pedra.


Pouquíssimos biográficos se salvaram desde “Tim Maia”, consigo contar no máximo dois ao longo desses sete anos que não repetiram inteiramente os erros dos demais, mas que ainda faltavam muito para se tornarem minimamente algo admirável para a categoria. E quando pensávamos que não haveria mais jeito em meio a tantas tentativas catastróficas, dantescas, eis que esse ano somos todos surpreendidos com “Bibi – uma vida em musical” que, definitivamente, se tornou a referência de como os musicais biográficos devem ser montados a partir de agora.


O espetáculo, que se propõe a narrar a trajetória pessoal e profissional da eterna Bibi Ferreira, um dos maiores nomes, senão o maior, do teatro brasileiro, é vitorioso por muitos quesitos, mas, principalmente, pelo texto e direção que se construiu um no outro.


O texto de Arthur Xexéo e Luana Guimarães buscou apresentar a narrativa através do Circo Queirolo, um dos pilares de origem da família de Bibi, valendo-se de um mestre de cerimônias, uma cigana e a avó da atriz para contar a história do modo mais brechtiano o possível. A estrutura em forma de carrossel é cronológica e vai se desenvolvendo de um núcleo para o outro e, ainda que seja um recurso meio cliché e sem inventividade, funciona de maneira sólida e interessante, chegando a despertar até certa curiosidade para saber o que acontecerá a seguir, muito embora não se trate de uma ficção. Um dos aspectos assertivos, inclusive, mora na falta de interação do mestre de cerimônias com a plateia, que geralmente é o que se espera em algo desse molde, disparando diálogos e perguntas mais para si mesmo do que para o público, que acaba respondendo por espontânea vontade e não por pressão, o que não atrasa o andamento da peça.

(O elenco completo de "Bibi - uma vida em musical")

A organicidade da direção de Tadeu Aguiar é o que mantém essas peças do enredo em pé, preservando o mesmo ritmo e estilo de um ato para o outro, sem quebras, encontrando-se na beneficência do texto que apresenta a segunda parte da história tão constante quanto a primeira. A emoção, comédia e retumbância de sentimentos são colocados sob medida, de modo que não destoam entre si e tampouco se atrapalham na rapidez de um núcleo para o outro, que só peca e cansa o ouvido no início da trama pela repetição do leitmotiv que caracteriza a estrutura do show em cada abertura e encerramento. Um dos fatores que Aguiar acerta e acaba por afirmar todo o espetáculo como um gênero musical de fato é a maneira como se compromete em contextualizar as canções e não apenas atirá-las dentro da cena, sem envolve-las com o resto de maneira mais profunda e não apenas pelo tom do momento, um dos graves erros que se repetem e permeiam os biográficos, tornando-os um mero concerto com afirmações históricas empobrecidas e inteligíveis. E é aqui que a coreografia consistente, significativa e com expressão de Suely Guerra complementa, dando evolução a trama como deve ser e não somente servindo para estabelecer um movimento de lá para cá de corpos sobre o proscênio.


A composição cenográfica em camadas de Natalia Lana é praticamente uma liga que condiz totalmente com a proposta estética do musical, não só porque consegue se desdobrar em muitos ambientes a partir de um segundo piso como palco, mas por nesse processo não perder a engenhosidade e acabar por cair em repetições cênicas, ou também por não ser excessivamente plástica e se desviar do estilo e nem muito plana, simples demais. A estrutura atende a necessidade da direção de se fazer tudo rítmico, “o circo não pode parar”, como cantam e repetem ao longo do show, e a maneira como o design de luz de Rogerio Wiltgen adiciona uma profundidade e movimento para tudo, até nos episódios mais simples, é o reforço de forma ainda mais clara de quais foram as cores e vibrações que Bibi viu durante esses períodos passados de sua vida.


E apesar de a orquestra reduzida de oito músicos, a sonoridade que Tony Lucchesi foi capaz de produzir é algo entre o clássico e sinfônico, tamanha a energia e brilho, evocando um tom vaudevilesco e dando literalmente som a tudo o que está se passando em cima do palco. O que negativa um pouco a quantidade desse vigor musical é que causa uma opacidade vocal no coro até mais ou menos a metade do primeiro ato, fazendo-o soar meio cansado, sem amplitude, quando na verdade só foi deixado para trás pela combustão acelerada da orquestração.


Se o desempenho de Amanda Acosta fosse menos do que extraordinário talvez todos esses e tantos mais componentes fossem desperdiçados. A maneira como Amanda se transforma em Bibi Ferreira do fio do cabelo a ponta do pé é no mínimo chocante. A começar pelo seu trabalho de corpo desenvolvendo a postura desde criança e os primeiros traços do que viria ser a personalidade da atriz, mostrando aos poucos para nós espectadores como nasceu a grande estrela como conhecemos dos palcos e da televisão. O que impressiona mais, porém, é a recriação do timbre tanto na voz falada quanto cantada que Amanda é capaz de sustentar sem perder o sotaque, cadência e nasalidade, nem mesmo nos agudos abertos tão exigentes das canções. Através dos maneirismos corretos e expressões, vimos a mulher, a atriz, a mãe, a filha, a figura pública que Bibi é, e por isso não há adjetivos o suficiente para descrever o trabalho que Amanda fez aqui, mas talvez sublime seja algo próximo do que alcançou.


E neste elenco tão contributivo de dezoito atores em que todos possuem seu destaque em determinados momentos do espetáculo, vale ressaltar as atuações de nomes como Chris Penna, que fica responsável por dar vida a Procópio Ferreira. A construção do andar, da maneira de falar e de alguns trejeitos mais marcantes do pai da atriz, Penna representa com uma habilidade convincente, sem perde-los nem por um segundo. O agente modal do texto que ressaltou a personalidade de Procópio de um modo mais brincalhão do que ele aparentava ser para pontuar a trama com um pouco mais de comédia devido aos seus relacionamentos extraconjugais, no entanto, não valoriza muito a atuação de Penna, endereçando-o traços que derivam mais da visão do texto do que da personalidade corriqueira do ator. Algo similar acontece com Guilherme Logullo que, apesar do incrível desempenho vocal e postura cênica, não consegue trazer a imagem de quem Paulo Pontes foi em vida, certamente por um defeito de superficialidade do próprio texto. Leo Bahia, como o mestre de cerimônias, é um entusiasta que cativa a todos com sua desenvoltura.


E então, “Bibi – uma vida em musical” é como um lindo arco-íris trazendo um horizonte cheio de possibilidades depois de um rígido temporal, conferindo não só ao gênero biográfico de produção um grande coro de “finalmente” por todo o passo dado rumo a esperança de que os espetáculos conseguintes da mesma categoria o vejam como inspiração, como também do público em ver essa grande atriz de orgulho nacional sendo homenageada da melhor e mais profissional forma o possível, do jeito que sempre se esforçou para ser. Bibi deve estar orgulhosa, assim como todos nós estamos.


SERVIÇO

Quando: de quinta à domingo (temporada até 01 de Julho)

Onde: Teatro Bradesco (Rua Palestra Itália,500 - Perdizes, São Paulo)

Duração: 165 minutos

Ingressos: R$ 75 a R$ 150

Classificação: Livre

 
 
 

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